Os poetas adoram dividir uma alma em muitas. Gostam de multiplicar o que é único e encontrar mil rostos onde só há lugar para um. Será que a nossa vida pode ser abrigo para outras tantas? Parece-me que os poetas têm razão. A vida que é só nossa soma-se às vidas que a atravessam. Guarda-se de ser única por conhecer e abraçar outras vidas. Outras histórias. As vidas que a nossa vida guarda, também são nossas? Também nos pertencem? Não sei bem. Sei que nos pertence o privilégio de ter espaço suficiente para amar outras vidas para além da que nos cabe respirar. Sei que nos pertence a graça de poder guardar dos outros aquilo que têm de melhor e de mais valioso. Sei que é nossa a responsabilidade de trazer às costas a leveza de histórias que não são nossas mas que, um dia, quisemos ler.
A nossa vida guarda muitas vidas. Somos uma continuação uns dos outros por não podermos, nunca, ser felizes sozinhos. Somos uma corda que se enlaça nos braços da promessa de quem ainda está por chegar. Guardamos dentro da batida do nosso coração, uma música feita das vozes dos que vão passando por nós. Não quer dizer que a mesma música nos faça sentido a vida toda. Há batidas que se perdem por vontade do tempo ou do acaso. Outras perdem-se porque não queremos voltar a ouvi-las.
Guardamos debaixo da nossa pele os olhos de quem olhou para nós e de quem olhou por nós. A pele é mesmo como um guarda-chuva. Guarda a alma e protege-a do que não a deve perturbar ou aborrecer. Ainda bem.
Guardamos na sombra dos passos já dados, o caminho que os outros foram para nós. Os trilhos que fomos adivinhando juntos.
Quantas vidas guarda a nossa vida?! Não se podem conter nem contar. A vida não é coisa que se meça, se pese ou se impeça de crescer e continuar.
Guardamos as vidas que amamos e nos sustêm quando a Vida nos retira forças e nos semeia cansaços para nos fazer fraquejar.
Guardamos as vidas que conhecemos e que, de uma forma ou de outra, dependem da nossa.
Guardamos as vidas que tocámos sem saber.
Guardamos as vidas que mudámos, sem dar conta.
Guardamos as vidas que aumentam a nossa força e que nos fazem esquecer que temos a fragilidade da nossa própria pele.
Guardamos as vidas que nos fazem pintar possibilidades e sonhos loucos.
Guardamos as vidas que guardam a nossa como quem não desarma nem vacila.
Eu guardo-te comigo.
Haverá coisa mais bonita para se dizer a uma das vidas que está dentro da nossa?!
~ Marta Arrais