Os sonhos que são nossos nunca se gastam. Trazem tijolos de esperança e de fé e decidem fazer casa em nós e connosco. Trazem telhas de promessa e de impossível e fazem telhado à nossa volta. Depois da casa feita, decidem falar. Umas vezes baixinho e outras vezes torna-se mesmo impossível não os ouvir. Mesmo que quiséssemos. Os sonhos têm a culpa dos nossos erros, das vezes que aterramos de nariz no chão. E são também responsáveis pelos dias que nos mudam a vida e os dias para sempre. Em vez de penas, os sonhos têm estrelas nas asas que os fazem voar. São essas estrelas que, de vez em quando, se soltam dos sonhos e se instalam dentro do que somos. Depois de poisar, a estrela-sonho estica as pontas de mansinho, para ninguém notar. Quando te apercebes, é tarde. Já tens braços e pele de estrela por tudo quanto é canto. Quando a estrela aparece sentimo-nos assaltados e invadidos. Sonhar dá trabalho e faz sofrer, também. Decides aparar as pontas à estrela e atirá-las para bem longe de ti. Recusas o sonho e a luz que ele te pode trazer. Depois de te sentires mais leve, começas a sentir que te falta qualquer coisa. Que não podes continuar a viver sem as pontas da estrela que arrancaste. Talvez já seja demasiado tarde mas deixas tudo e corres. Percorres os lugares que podem abrigar uma estrela sem-abrigo. Tens vontade de voltar atrás no tempo. Nada. Nem rasto de luz. Nenhuma pista iluminada ou estrelada. Encolhes os braços e entristeces. Se ao menos as pontas que cortaste pudessem nascer outra vez. Dormes sobre os teus sonhos e acordas com luz debaixo da pele. As estrelas voltam a crescer mesmo depois de desaluzadas. Prestas, finalmente, atenção. Percebes que há um sonho atrás de ti. À tua volta. E dentro de ti. Não te parece possível pensar em mais nada. Começas a sorrir mais e a pensar melhor. Há um sonho atrás de ti e não queres fugir dele. Apaixonas-te por ele. Perdes-te com ele quando te promete que, se o seguires, a tua vida nunca mais será a mesma. Fazes as malas do futuro, pões a vida às costas, o sonho debaixo do braço e partes. Como quem sabe que há uma razão para ter nascido. Uma razão que faz valer tudo a pena. Começas a correr. Sem parar. A mochila caiu e já não sabes o que vem a seguir. Tens medo dos tropeções que podem vir a caminho. Deixas de sentir o chão debaixo dos pés e, de repente, é só o vento que te leva. O teu sonho corre atrás de ti e não se importa de correr muito. Tu vales tudo a pena. Tu vales asas. E ventos. E estrelas. E pedaços azuis de céu a brilhar. De repente, quando tudo parecia possível, as pernas falham-te e levam-te ao chão. Barulho seco de quem beijou o chão com a pele. Estás atordoado. Com as mãos a tremer arranhas o chão à procura da tua estrela. Ou do que resta dela. Foi-se. Desapareceu. Levantas-te e não tens forças para continuar. Subitamente, sentes uma pressão no coração. Mesmo dentro do barulho que ele nos faz ao bater. Debaixo da pele, tens uma estrela desenhada. Com tinta de sonhos. Colocas a mão sobre o peito e descansas. Sentes que, a partir dali, vais caminhar acompanhado. Porque quem tem um sonho nunca anda sozinho. E ainda bem.
~ Marta Arrais [in imissio, 30-11-2016]